sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Aforismos 539, 547 e 548. Aurora

Nosso blog tem como um dos objetivos abrir uma via de comunicação entre professores, alunos, estudantes e interessados pela filosofia de Nietzsche não só dentro da Universidade Federal de Pelotas como em qualquer lugar do Brasil. Achamos fundamental existir a possibilidade para disseminar interpretações exteriores sobre os temas que estamos abordando, portanto hoje vamos trazer a análise do professor André Martins acerca dos últimos aforismos estudados em nossas reuniões.

André Martins é filósofo e psicanalista, professor Associado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da mesma universidade, Doutor em Filosofia pela Université de Nice, Doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, com Pós-Doutorado Sênior em filosofia pela Université de Provence; professor visitante das Universidades de Reims e Amiens; membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e do Espace Analytique de Paris; coordenador do SpiN-UFRJ (Grupo de Pesquisas Spinoza e Nietzsche); autor de Pulsão de morte? Por uma clínica psicanalítica da potência (Ed.UFRJ, 2009) e organizador de O mais potente dos afetos. Spinoza e Nietzsche (Martins Fontes, 2009) e de As ilusões do eu. Spinoza e Nietzsche (Civilização Brasileira, 2010). Sua ultima organização foi Spinoza et la psychanalyse” (Ed. Hermann, Paris, 2012).

Resumo da reunião do dia 09 de Novembro de 2012

Aforismo 539 – Vocês sabem o que querem?

Trazemos de início algumas passagens do aforismo para que possam melhor compreender o que será dito:

“Nunca os torturou tanto o medo de ser completamente inaptos para reconhecer o que é verdadeiro? O medo de seu tino ser muito obtuso, de mesmo a sensibilidade da visão ainda ser muito grosseira? Se notarem que tipo de vontade governa por trás de sua visão?”

“Oh, vergonhosos desejos! Como vocês frequentemente buscam o que produz efeito forte e o que tranquiliza – porque estão cansados. Sempre com ocultas predeterminações de como deveria ser a verdade, para que vocês pudessem aceitá-la.”

“Não se requer calor e entusiasmo para fazer justiça a uma coisa do pensamento? – e justamente isso é ver! Nesse trato há a mesma moralidade, a mesma probidade, as mesmas segundas intenções, a mesma frouxidão, o mesmo temor – o seu amável e odioso Eu!”

“Seus cansaços físicos darão cores cansadas às coisas, suas febres os tornarão monstros! Sua manhã não ilumina as coisas de forma diferente de sua tarde?”

Nesse aforismo Nietzsche discorre sobre o fato de que não há pensamento isento da experiência daquele que pensa, pois seus afetos influenciam a interpretação que se tem das coisas, essa interpretação varia com o momento, com as intenções conscientes ou inconscientes daquele que pensa. E essa influência se dá tão mais fortemente, pois insuspeitadamente, quanto mais se busca uma imparcialidade e se denega as influências do humor, dos afetos, da experiência. Ao contrário, Nietzsche alerta para que, sendo assim, os melhores pensamentos são, não os frios e calculistas, presunçosamente supostos como imparciais, mas os que se são pensados com calor e entusiasmo. Trata-se de uma crítica ao Eu que supõe estar com o controle do pensamento, da verdade e do conhecimento. Portanto, trata-se de uma crítica ao livre-arbítrio, que nada mais é que um papel que se representa, como um teatro hipócrita da verdade.

Aforismo 547 – Os tiranos do espírito

“Então a filosofia era uma espécie de luta suprema pelo domínio tirânico do espírito – que ele fosse destinado e guardado para um ser muito feliz, fino, inventivo, ousado, violento – um único! era algo que ninguém duvidava, e vários, por último Schopenhauer, imaginaram ser esse único. – Daí resulta que, em termos gerais, a ciência ficou para trás devido à limitação moral de seus discípulos, e que doravante deve ser praticada com um sentimento básico mais elevado e generoso. “Que importa eu!” – está inscrito sobre a porto do pensador do futuro.”

Aqui o filósofo discorre sobre o desejo dos pensadores de encontrar um sentido para a vida humana, que deve existir e está oculto sob um enigma a ser desvendado.
Caberia ao pensador do futuro buscar uma ciência não antropomórfica, pois este auto-centrismo tem apenas um valor moral, tornando-se um obstáculo ao conhecimento não deturpado pelos interesses e fins morais humanos, de torcer os fatos para explicarem (falsamente) o que o homem desejaria que fosse verdade.

Aforismo 548 – A vitória sobre a força

“Considerando-se tudo o que até agora foi venerado como “espírito sobre-humano”, como “gênio”, chega-se à triste conclusão de que, no conjunto, a intelectualidade humana deve ter sido algo muito vulgar e mesquinho: tão pouco espírito foi até agora necessário, para sentir-se logo acima dela! Ah, a glória barata do gênio.”.

Nietzsche diz que basta pouco para ser considerado gênio e sobre-humano, pois o nível da intelectualidade humana até então sempre foi muito baixo.