terça-feira, 9 de outubro de 2012

Aforismo 453 e 455 - Aurora

Reunião do dia 05 de Outubro


A imagem

A gravura (em madeira) "Weibermacht" (o poder das mulheres), de 1513, é de autoria de Hans Baldung Grien. Ela remete ao conto medieval "Aristoteles und Phyllis". É um conto do médio-alto alemão, da região do alto Reno, entre Estrasburgo e Basiléia. Embora haja várias versões, uma das mais conhecidas e antigas é a do século XIII, entre 1260 e 1287; o autor é desconhecido, mas é bem provável sua origem cortesã. Trata do tema do sábio (Aristóteles), que é seduzido, enganado e iludido por uma linda mulher. É um tema muito antigo, tratado desde o século V em narrativas chinesas, árabes e persas. Por influência das cruzadas, no século XIII, esse tema é recorrente na literatura ocidental, especialmente do séc. XIII ao XVI.
Na corte do rei Felipe da Macedônia, Aristóteles tem a difícil tarefa de educar o príncipe Alexandre, na sua futura e grandiosa posição de dominador. Ele tem êxito, até que Alexandre se apaixona pela bela moça da corte da rainha, Phyllis. Por estar muito apaixonado, Alexandre não consegue mais concentrar-se nas aulas do estagirita. Aristóteles faz de tudo para terminar com esta relação, intervindo junto ao rei e à rainha. Phyllis é forçada a romper, e ambos ficam muito tristes. Phyllis fica furiosa com Aristóteles e quer vingar-se dele, seduzindo-o. O velho sábio cai facilmente na armadilha e quer impacientemente um encontro noturno pago com Phyllis. Ela finge concordar, mas coloca como condição que quer cavalgar o velho sábio pelos jardins, como se ele fosse um cavalo. Eles são percebidos na corte. A vingança de Phyllis foi bem-sucedida. Aristóteles percebeu que não conseguiu dominar a paixão dos dois jovens e, mais do que isso, questiona seu próprio ideal e ética. Envergonhado e alvo de burla, Aristóteles medita numa terra distante sobre a ruína causada pela astúcia feminina.

Aforismo 453 - Interregno moral

Neste aforismo, intitulado Interregno moral (Moralisches Interregnum), Nietzsche descreve seu tempo como um momento entre morais. Ao fazer isso ele lança a seguinte pergunta “Quem já estaria agora em condições de descrever o que substituirá, um dia, os sentimentos e juízos morais?” (A §453). Tal tarefa é vindoura, justamente em razão da insegurança nas “ciências da fisiologia, da medicina, da sociedade e solidão” (idem). Cabe notar que, com essa afirmação, Nietzsche deposita sobre essas ciências a responsabilidade de “extrair as pedras fundamentais para novos ideais (senão os próprios ideais mesmos)” (idem). Devido a inevitabilidade de estarmos nesse interregno moral, abrem-se duas possibilidades. Ou vivemos uma existência provisória, ou adotamos uma existência póstuma. Diante dessas possibilidades, o filósofo marca posição ao afirmar que o que se faz de melhor nesse interregno é experenciar com a moral e tornarmo-nos experimentos de nós mesmos.

De alguma forma, seguindo as indicações deste aforismo, há a impossibilidade, ao menos no presente, de uma existência plena. Ou nossa existência é um momento de passagem, diante das possibilidades futuras, ou nos projetamos a algo alheio a nossa existência. Aceitar-se como experimentador de si é a saída diante de uma tal incompletude.

Podemos resumir o presente aforismo a dois pontos fundamentais: o primeiro é a constatação de que o momento vivido por Nietzsche é um período entre morais. Temos a clara visão da queda dos fundamentos que dão sustentação a moralidade até então vigente; sem ter, contudo, a capacidade de enxergar os fundamentos da moral vindoura. O segundo ponto é a eleição das ciências da fisiologia, da medicina, da sociedade e da solidão; como as que terão a responsabilidade de encontrar e descrever o que substituirá os sentimentos e juízos morais. Ocorre que tais ciências se encontram, no contexto de Nietzsche, em um progressivo crescimento, porém ainda sem possuir a confiabilidade necessária para cumprir com a tarefa que lhes cabe. Fato que motiva esse interregno moral, diante do qual se deve ter uma postura científica, de experimentar com a moral e consigo mesmo.

Esta postura é própria do chamado segundo período de Nietzsche. Aqui, ciência possui um papel importante, juntamente com o experimentalismo. Nesta mesma linha de pensamento, podemos voltar alguns aforismos e nos depararmos com a afirmação do filósofo de que “temos que lidar experimentalmente com as coisas, sendo ora maus, ora bons para com elas e agindo sucessivamente com justiça, paixão e frieza em relação a elas [...] Como todos os conquistadores, descobridores, navegadores, aventureiros, nós, investigadores, somos uma moralidade temerária, e temos que admitir ser considerados maus no conjunto” (A §432). Podemos observar o quão Nietzsche se inclui no problema e na atitude que julga como necessária diante da constatação que faz da sua época.

Aforismo 455 - A primeira natureza

O que Nietzsche quer dizer quando lança a questão de uma dupla natureza? Ele aponta, como consequência da educação, a formação de uma segunda natureza. Este seria o sinal de maturidade e de sermos “utilizáveis” aos olhos da sociedade. Emana do seu texto a crítica a um celebre estagirita, o qual afirma que, através de repetidas ações virtuosas, o homem desenvolve um caráter virtuoso, que lhe serve de uma segunda natureza.

Nietzsche nos incita, contudo, a buscar pela nossa “primeira natureza”, saudando aqueles que “são cobras o bastante” para desfazer-se da “segunda natureza”. Nessas raras exceções houve um amadurecimento da primeira natureza, porém como afirmamos essa não é a regra, no mais das vezes, “o gérmen dela [da primeira natureza] ressecou” (A §455).

Texto produzido pelos mestrandos Leonardo Camacho de Oliveira e Sdnei Pestano.