quarta-feira, 16 de maio de 2012

Aforismo 130 - Livro III

Reunião do dia 04 de Maio de 2012
Aforismo 130: "Fins? Vontade?"


No  aforismo discutido em nosso encontro, Nietzsche apresenta a concepção costumeiramente aceita, de que existem dois reinos, nos quais transcorre a existência humana: o reino dos fins e o reino dos acasos. 


O primeiro diz respeito à capacidade que a vontade teria de interagir com o todo e alcançar determinadas finalidades; para que fique mais claro basta refletir acerca da concepção de finalismo (thelos) cristão, onde é colocado como pressuposto uma padronização comportamental em prol da finalidade almejada, neste caso a salvação eterna, ou seja, o paraíso. Em outras palavras, se nos afastarmos dos pecados condenados pelo dogma cristão e nos aproximarmos do padrão considerado "bom" dentro da doutrina cristã, teremos como recompensa a vida eterna no paraíso, porém isso implicaria, segundo Nietzsche, na dominação da vontade em prol de um fim específico.


O segundo trata do que seria o acaso, ou o reino do necessário. Para melhor compreendermos esta concepção vale a pena trazer à memória o mito grego de Édipo. Algo deve ficar claro, os fatos passados, a história não pode ser negada, o presente é sua consequência e para que eu ou você estivéssemos hoje exatamente onde estamos o passado precisou ser exatamente da forma que foi, não poderia ser diferente. Existe um caminho necessário das coisas, não há como mudar, mesmo que a vontade seja motivadora ela não tem o poder de interferir nos atos históricos. E caso a vontade cause determinada mudança, existe ainda a possibilidade de que tal ato já estivesse anteriormente inscrito ao encadeamento dos fatos decorridos até então. O processo histórico estaria submetido a um modelo que vai além das vontades particulares dos indivíduos, o próprio movimento do processo histórico está inscrito no caminho do necessário. No reino da necessidade não há autor, o próprio processo histórico é autônomo e independente de qualquer vontade. O cosmos não tem direção, não tem finalidade ou motor, são fatos encadeados que decorrem do seu estado anterior, causando assim outros seguintes, em um processo sem fim.


Uma questão que permaneceu aberta no final da reunião foi acerca da capacidade humana interferir ou não no processo histórico. Nietzsche coloca que o indivíduo está preso no emaranhado dos fatos da necessidade, portanto não teria autonomia ou seria responsável em causar impacto no todo, por outro lado o filósofo disserta que existe algo que a vida de cada homem consegue colocar em movimento e causar, desse modo, impacto no todo. Nosso filósofo só irá responder a tal impasse em seu período tardio, em Aurora esse debate permanece em aberto. O que fica claro é a conclusão, apontando a hipótese de que exista somente o mundo da necessidade juntamente com sua visão acerca da ação humana, não fazendo referência ao sujeito autônomo, cito Nietzsche: 


"sim, talvez haja somente um reino, talvez não exista vontade nem finalidade, e nós apenas as imaginamos. As mãos férreas da necessidade, que agitam o copo de dados do acaso, prosseguem jogando por um tempo infinito: têm de surgir lances que semelham inteiramente a adequação aos fins e a racionalidade. Talvez nossos atos de vontade e nossos fins não sejam outra coisa que tais lances - e nós somos apenas muito limitados e vaidosos para apreender nossa extrema limitação: a saber, que nós mesmos, em nossas ações mais intencionais, nada fazemos senão jogar o jogo da necessidade."

Aforismo 130, Livro II, página 99, Aurora


Creio ser válido trazer o mito grego de Édipo para elucidar o que estamos trabalhando e apontar a concepção dos gregos acerca do reino da necessidade, basta clicar no link destacado que uma nova página será aberta trazendo sua história em mais detalhes para aqueles que não se recordam.



Finalizo essa postagem com uma passagem do mesmo aforismo, onde ele aponta a figura do gigante como sendo o reino dos acasos e da necessidade e a figura dos anões como sendo à vontade:


“Esta crença nos dois reinos é um romantismo e uma fábula antiquíssimos: nós, inteligentes anões, com nossa vontade e nossos fins, somos irritados, atropelados, muitas vezes pisoteados até a morte pelos gigantes estúpidos, mais que estúpidos, que são os acasos.”

Leituras necessárias para o encontro do dia 11 de Maio:

Livro III:

Aforismo 173 - Os apologistas do trabalho. 

Aforismo 179 - O mínimo de Estado possível!